13 de outubro de 2009

Entre asas e o mar - Cecília Meireles


Olá pessoal, cá estou, após um certo tempo sem postar...Vou recomeçar com uma grande poeta brasileira, Cecília Meireles, que foi poetisa, professora e jornalista. Suas poesias tiveram a influência do modernismo, heranças do simbolismo e técnicas do classicismo, gongorismo, romantismo, parnasianismo, e surrealismo, razão pela qual sua poesia é considerada atemporal.


"Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno.

(…) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade.

(…) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano."'

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegra nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmida.
E um dia sei que estarei mundo:
- mais nada

Retrato em Luar

Meus olhos ficam neste parque,
minhas mãos no musgo dos muros,
para o que um dia vier buscar-me,
entre pensamentos futuros.

Não quero pronunciar teu nome,
que a voz é o apelido do vento,
e os graus da esfera me consomem,
toda, no mais simples momento.

São mais duráveis a hera, as malvas,
que a minha face deste instante.
Mas posso deixá-la em palavras,
gravada num tempo constante.

Nunca tive os olhos tão claros
e o sorriso em tanta loucura.
Sinto-me toda igual às árvores:
solitária, perfeita e pura.

Aqui estão meus olhos nas flores,
meus braços ao longo dos ramos:
e, no vago rumor das flores,
uma voz de amor que sonhamo

Cecília morreu aos 63 anos de câncer, no dia 9 de novembro de 1964.

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