12 de março de 2011

O choro da donzela



No alto de uma torre solitária, morava uma jovem donzela. Ali, a jovem sempre vivera sozinha, na sua própria companhia. Desde menina, a parede circular do seu quarto fora sua casa e a janela era a única porta para o mundo afora.


Todas as noites escuras e sombrias, a donzela acendia uma vela para afastar seus medos e pesadelos. No negrume do céu a Lua aparecia de quando em quando palidamente tornando a noite menos hostil. A donzela observava a noite pelo arco da janela e pensou se a Lua poderia se sentir triste e só como ela. Então a bela jovem confessou-lhe seu segredo mais íntimo para a grande Lua de prata.


Contou-lhe que todos os dias seu coração batia pesadamente na espera do seu grande amor que a levaria embora daquela torre solitária e sairiam voando pela noite num cavalo alado. A Lua, assim que segredou sua confissão, sumira na linha do horizonte, onde o céu tocava a terra. E a donzela fora navegar, nos mais profundos e belos sonhos. Um leve sorriso esboçou-se nos seus delicados lábios enquanto seu coração palpitava diante das doces ilusões sonhadoras.


No dia seguinte a donzela esperou ansiosamente por sua nova confidente. Depois do crepúsculo, lá estava ela, a Lua prateada. A jovem contou-lhe como seu coração esperava ansiosamente pelo dia que conheceria seu amado. Sua voz ecoava delicada e única pela noite escura, enquanto a Lua a escutava lá do alto, sentada no trono celestial. Quando a jovem finalmente confidenciou todo seu segredo à rainha da noite, sentiu-se como se tivesse repartido um bem que antes só tinha para si. Um bálsamo de tranquilidade tocou sua alma com seus dedos suaves e lá do alto da torre escutou o murmúrio abafado da floresta noturna, sinistra e misteriosa.


A bela moça da torre se despediu da Lua para ir desfrutar de mais uma noite no acalanto dos seus sonhos. Porém, logo desistiu de fazê-lo ao ver uma forma desconhecida desenhando-se no céu, a Lua parecia ser uma grande auréola protegendo aquela nebulosa forma. A figura fora se tornando mais nítida, e o coração da donzela disparou em surpresa, pois o ser que viajava solitário no céu era um ser alado. Tinha grandes asas e as balançava no ar como uma grande águia.


A jovem, muito contente, foi até o espelho e arrumou seus longos cabelos “Ele veio me buscar” repetia ela, com um grande sorriso nos lábios. Então, voltou para a janela e a sua felicidade sumira como o último suspiro antes da morte ou como se uma tempestade assolasse um dia ensolarado de primavera.


A sua frente, diante do arco da janela, planava no ar um dragão medonho. Suas escamas eram escuras como musgos. A cabeça parecia ser de um grande lagarto. Espinhos brotavam de sua coluna vertebral e suas narinas cuspiam fumaça. Sentada no seu dorso, estava uma bruxa, que sem cerimônia pulou do dorso do dragão e num salto entrou no quarto da donzela.


A bruxa tinha uma estatura mediana. Seu corpo era entroncado, fazendo-a ficar menor com seu manto negro. Seus cabelos grossos e emaranhados tinham um tom de púrpura. Os olhos eram cinza e frios como uma manhã nublada. E no seu rosto enrugado estava estampada a malícia.


- Quem é a senhora?! – perguntou a donzela, pasma.


- Eu?? – A bruxa olhou ao redor com seus grandes olhos astutos. – Eu sou a Dama da Má Sorte! Aquela que rouba os sonhos e traz infelicidades. Seco um coração apaixonado até a última gota e arranco à força o último ecoar do sorriso de uma criança! Agouro é o que espalho por onde quer que eu vá. E assim, tenho uma vida longa, pois me alimento da felicidade alheia. – Ela deu uma gargalhada maldosa.


A donzela percebeu que estava em perigo.


- Tu és uma tola, minha jovem! – zombou a bruxa. – Andas confidenciando teus segredos para quem não tem ouvidos para ouvir e nem olhos para ver! Tua voz delicadamente suja e cheia de ilusões atiçou meus sentidos e aqui estou. Vim tirar o véu da mentira que cobre teus olhos e a esperança falsa que mora no teu coração. – disse a velha, num tom ameaçador.


- O que quer dizer com isso? – insistiu a jovem.


- Quero dizer que teu coração secará até virar um cristal quebradiço, pois neste mundo não existe e nunca existirá alguém capaz de amar-te. Nunca sentirás o doce bálsamo de um beijo apaixonado. E nem verás um olhar cheio de amor sincero! A solidão será tua única companhia até que teu coração pereça na espera de um amor que nunca existirá!


E nisso, a bruxa soltou uma gargalhada medonha e agourenta, sumindo numa fumaça verde. A donzela correu até a janela e viu sua má sorte praguejar no dorso do dragão noite afora. A voz da bruxa parecia reverberar por toda a floresta, deixando os animais irrequietos e assustados.


A donzela sentiu uma dor no coração como se um punhal tivesse encravado no seu peito. Apertou-o, ofegante num desespero insuportável. O medo tomou o brilho dos seus olhos que antes eram alegres e sonhadores. Seu rosto ficara pálido e uma lágrima escorregou por sua face alva.


A moça encostou-se à amurada da janela e já sem forças deixou-se cair ali. Sentada na única janela alta da torre solitária, ela chorou, chorou olhando para a Lua. Chorou até suas lágrimas secarem e o último pulsar do coração vibrar. Chorou até o último suspiro silenciar no seu peito e o amor pelo príncipe desconhecido morrer na calada da noite.


E foi do choro desiludido da donzela que nasceram as estrelas. Pois cada lágrima que caiu dos seus olhos virara um pontinho de cristal que salpicou o céu, consolando até hoje, os corações daqueles que ainda não amaram.


Laísa C.

1 Outras confissões...:

Unknown disse...

Um dom único para a escrita você tem.

Além do poder de nos aprisionar em seus escritos, faz com que, pasmos, reflitamos sobre cada palavra e ação dos personagens.

Este escrito em particular remete o leitor a duas reflexões.

A primeira, que nunca podemos contar nada para o desconhecido.

A segunda, a donzela só foi afetada porque se permitiu acreditar na maldição.

Se tivesse sido forte, não deixaria que a bruxa / dragão lhe roubasse o que de mais precioso tinha que eram seus sonhos, mesmo que fossem apenas ilusões e com certeza eram, pelo menos faziam-na suportar melhor sua triste condição.

Você é uma escritora nata. Felicitações.

Permita-me ser o trigésimo quinto confessor a seguir o seu blogue.

http://escritoslisergicos.blogspot.com

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