2 de março de 2012

O self-publishing esquizofrênico ou Cinderela sem sapatinho

por Raphael Vidal*


Prezado autor,

Agradecemos seu interesse em tornar-se um autor de nossa casa. Seu original foi avaliado por nosso conselho editorial, composto por escritores, leitores e críticos. Há nele o vigor de um jovem escritor aliado a criteriosa qualidade da escrita, sem deixar de lado o apelo comercial. A história é cheia de nuances que prendem a atenção até a última palavra, o que realça mais a potencialidade da obra. No entanto, optamos por programar nossas edições com bastante antecedência, o que nos deixa com uma quantidade suficiente de títulos a publicar, já aceitos, pelos próximos três semestres — o que torna inviável o aceite do seu original. Esperamos que obtenha sucesso em sua tentativa de publicação.

Atenciosamente,

Editorial


Fast-fooditorial
Ser publicado hoje não é uma tarefa muito difícil. Muitas empresas escancaram a receita da arte para quem quiser, sem segredos. Publique seu livro! Seja um autor! Escolha pelo número! Editoras que misturam self-service e fast-food ao processo editorial crescem a cada dia. Oferecem todos os serviços para transformar aquele arquivo em livro e, de quebra, ainda organizam a noite de autógrafos. A contrapartida é – na maioria esmagadora dos casos – a garantia da venda, assinada em contrato pelo autor, de boa parte do que foi impresso. O suficiente para cobrir os custos e gerar lucro ao "patrocinador". E nada que o autor não possa se mobilizar para conseguir. Já vimos por aí muitos casos parecidos.

Fada madrinha
O que é publicar um livro? É ser lido. Assim como todo artista, o escritor quer palmas no fim do espetáculo. Aquele ainda não publicado é como a gata borralheira, esfregando o chão enquanto a madrasta e suas filhas, os publicados, curtem o baile. Para colocá-los no mesmo nível é que surgiu a fada madrinha que Cinderela tanto aguardava: o self-publishing (feito pelo próprio autor ou por editoras de serviço). Como se fosse mágica, aquele vestido todo rasgado e sujo torna-se um belo exemplar de nobreza — preparado para a festa. O autor, até então desiludido, se enche de esperanças, veste seu livro, e vai para o lançamento. E tudo ocorre bem, com o príncipe encantado por sua obra, até a meia-noite, quando a livraria fecha e o livro vira abóbora. Será que no dia seguinte vão achar a Cinderela?

Realidade dos esquizofrênicos
Aquele que se preocupa em fazer o livro acontecer e busca o lobby usual e o marketing conveniente , mesmo tendo em conta infinitos fatores, como tiragem pequena e distribuição inexistente, tem mais chances de ser encontrado. O autor precisa deixar seu rastro. Já os que se auto-publicam para vender cinquenta livrinhos aos seus amigos, familiares, e curtir uma noite de baile, não fugirá do óbvio: morrerá sozinho, no alto da torre, preso, amaldiçoado pelo feitiço do esquecimento. É a fenda que divide o self-publishing em dois lados: os que deixam o sapatinho de cristal perdido no baile e os que vivem a realidade dos esquizofrênicos.

Após o baile
Todo esse novo mercado é incentivado pela demanda, óbvio. Afinal, qual escritor não deseja debutar no mercado editorial sem as dificuldades tão conhecidas por todos? Quem não deseja estar ao lado dos bons? O escritor sempre negado pelas editoras quer fazer parte da festa. O que acontece hoje é bem claro. Achou-se uma maneira de escoar a criação desenfreada dos tempos modernos. Coloque uma máquina de escrever em quase todas as casas para termos um resultado: irão usá-la para criar. Mais esperto será o empreendedor que comprar uma tipografia e oferecer seus serviços. São as idéias se repetindo entre os séculos.

Mas um livro, além de tudo, é arte. A edição dele em caráter industrial é um erro. Não acredite que diagramar em formato de livro aquele arquivo que você digitou é o mesmo que editá-lo. Afirmar essa construção do livro como arte é defender o papel do editor perante o camelódromo do conteúdo e, ao mesmo tempo, alertar ao escritor que, salvo poucos casos, se auto-publicar no conceito “Cinderela sem sapatinho” é doentio. A realidade é cruel, mas precisa ser enfrentada. Vá atrás do seu príncipe, mas não esqueça de deixar pistas para um encontro após o baile.

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*Raphael Vidal é escritor e editor. Idealizou e editou a revista de contos Bagatelas, publicação impressa e online que lançou jovens escritores lusófonos durante o boom da literatura contemporânea nos anos 2000, e movimentou livrarias com bate-papos literários. Também como editor, idealizou o selo Colofon, literatura contemporânea, da vieira & lent casa editorial, por onde foi publicado o primeiro livro transmídia no Brasil — com lançamento simultâneo em uma livraria — nos formatos e-book e impresso. Como escritor, tem contos publicados em sites e revistas no Brasil e em Portugal. Seu ensaio Guerra dos sebos (Portal Literal, 2007), inaugurou suas reflexões conceituais sobre o negócio dos livros. Tem colunas nos portais PNET Literatura, de Portugal, e Subtítulo, do Brasil.
raphaelvidal@gmail.com
@fimdolivro
@_raphaelvidal_

Este ensaio pode ser compartilhado e publicado, sem fins comerciais, citando autor e site.

5 Outras confissões...:

Unknown disse...

Bem... Se eu sou um esquizofrênico, até o momento posso dizer que sou do tipo esquizofrênico feliz, que não precisa de eletrochoque. ahah.
A sério, eu optei pela editora por demanda e não me arrependo. Já vendi exemplares para Alemanha, Portugal, Espanha e o último agora para a Argentina. E antes que me critiquem, não são familiares e amigos. Meus familiares e amigos sequer sabem que eu escrevo, sequer sabem que tenho um blogue. Há também os exemplares que estão em consignação em algumas livrarias de nosso país, livrarias pequenas sim, não me envergonho disto, cujas vendas são maioria em comparação a internet e não faço nem ideia de quem sejam estas pessoas que estão comprando. Uma ou outra que é seguidora do blogue, faz uma resenha ou um comentário ou convida para uma entrevista como ocorreu com o Recanto dos Autores. Mas a maioria eu não sei quem é e tenho quase certeza que não sabem quem eu sou, não sou nenhuma celebridade, certamente a sinopse, a trama os atraiu independente de quem seja o autor. Felizmente, nem todos se prendem somente aos clássicos e gostam de conhecer coisas novas.
Não vejo a publicação por demanda com preconceito, prefiro fazer isto a ceder meu trabalho gratuitamente. O que eu cedo, como no caso de Ironia do Destino, não é o que considero de melhor.
Ser rejeitado por editoras é uma realidade que até Stephen King provou deste amargo cálice e não seria isto que me faria parar, no entanto, como por vezes eu quero as coisas para ontem, resolvi publicar um dos trabalhos que acredito ter potencial por demanda e ter meus leitores onde quer que eles estejam a ficar esperando um milagre cair do céu, visto que editoras grandes também são exploradoras, roubam sonhos de novos autores e doam a eles uns 6% (foi a proposta que recebi de uma editora considerada popular) de seus direitos autorais.
Tudo tem seus prós e contras, o único que aconselho, principalmente a quem sonha grande, é não se iludir que vai ganhar divulgação e chamar a atenção de editoras deixando seu melhor trabalho em domínio público.Você investiria em algo que já é de domínio público? Eu não. Eu não investiria em Ironia do Destino se fosse dono de editora, sendo que originais já estão sendo difíceis de investir.
Este assunto dá um livro... Publicado ou não.
Bom fim de semana.

Laísa Couto disse...

Oi Chris,

Fico contente com seu retorno. Esse assunto é mesmo muito polêmico, dado que é uma realidade vivida por muitos autores. Achei o artigo interessante e resolvi compartilhar no blog.

Se a publicação por demanda existe é porque há mercado para isso, e sim, também há leitores que compram e leem...

Ser rejeitado por uma editora comercial é algo que todo autor leva no curriculum,todos estamos sujeitos a um não, então talvez, um dia, nosso trabalho se encaixe em algum perfil, seja tradicional ou não...

Apesar dos prós e dos contras, permeti-me experimentar publicar Lagoena em meio virtual, apesar da obra ser disposta gratuitamente, tem lá suas regras para lê-la como se cadastrar no site e esperar pacientemente para que os capítulos sejam dispostos para a leitura...

É um risco a se correr, estou ciente quanto ao investimento de uma edirota em um original já exposto. É loucura, estou dando um tiro no próprio pé em disponibilizar esta obra gratuitamente, mesmo assim, não posso voltar atrás e retirar a obra do ar por respeito aos leitores e ao site que abriu espaço para a publicação do livro...

O que me levou a essa decisao também foi o fato dos custos serem zero e a publicação apenas temporária...

Cada autor briga como pode. Talvez Lagoena nunca seja publicada tradicionalmente, apesar de ter tido proposta para isso, mas nada que me convença a sair do BookSérie sem motivos palpáveis...


Tens a mais completa razão, o mundo editorial anda muito difícil e o investimento em originais também...

Unknown disse...

Olá Laísa!
A princípio,"vesti a carapuça"de esquizofrênico por causa deste trecho:
"Aquele que se preocupa em fazer o livro acontecer e busca o lobby usual e o marketing conveniente , mesmo tendo em conta infinitos fatores, como tiragem pequena e distribuição inexistente, tem mais chances de ser encontrado. O autor precisa deixar seu rastro."
Por esta razão disse que se eu for um esquizofrênico, cujo texto sei que não é de sua autoria, sou um esquizofrênico feliz devido aos motivos que citei no comentário anterior, porque meus livros não se resumiram a amigos e familiares, eles sequer sabem que tenho um blogue, quanto mais um livro. Meus livros não são fantásticos, são realistas e, por vezes, até muito pessoais.
Em momento algum sequer citei Lagoena, até porque, ao passo em que vim a conhecer seu trabalho, sei que deve ter não um ás, mas muitos ases na manga tal como eu e acredito que Lagoena, apesar da excelente qualidade, não seja seu melhor trabalho, por esta razão a despreocupação em publicar gratuitamente, tal como faço no Ironia do Destino. Acredito que para fazermos isto, é porque temos inteligência de não dar o tiro no próprio pé como diz.
Quanto as regras do site, não sei se me enganei, entrei para colocar uma série minha e quando li o regulamento, parece-me que afirmava que eles tinham a autoridade de deixar no site o tempo que eles quisessem e recuei. Pode ser que eu tenha interpretado errado, mas, mesmo tendo registro de tudo o que escrevo, não quis assumir e não me arrependi porque, ao tentar desativar a minha conta, ela não desativa de forma alguma. Enviei e-mails, uns três reclamando que queria excluir e só fui respondido na terceira, dizendo que o link já estava certo, o que não aconteceu... Meu perfil está aprisionado lá. ahah. Mas não me importo porque não cheguei a publicar nada. Contudo, como disse, este é meu receio, é como um contrato. E se de repente estivermos errados e uma editora boa, com uma boa proposta quiser que retiremos do ar e eles não o fizerem, tal como não fizeram com meu perfil? Enfim, eu temi.
E por falar em proposta, imagino que a que tenha recebido tampouco tenha sido tentadora, porque a minha não foi. Muito pouco valor dado aos direitos autorais. Posso querer ser publicado por uma editora popular, porém, não por isto me deixarei ser explorado. Sei que é uma pessoa inteligente e que pensaria acima de tudo no valor de seu trabalho e não recusaria uma proposta decente por causa de alguns leitores que estão, de certa forma, "sugando" nosso trabalho. Sei que sugar soa rude, mas esta é a realidade, é muito cômodo ler gratuitamente a obra de um bom autor e não pagar por ela. Não dá para dizer que nós, que também fazemos isto, não deixamos de ser leitores vampiros. Ler obras de excelente qualidade sem pagar é o que há! rs. Embora saibamos e tenhamos consciência do quanto o autor suou para criar a ideia, passar para o editor de texto e a pior parte em minha opinião: revisar.
O custo das editoras por demanda também são zero se você assim quiser, porém, eu preferi investir um pouco para deixar em consignação em livrarias e os lucros vem quando um trabalho é atrativo, isto pode confiar porque está ocorrendo com 11 Noites Insones, como também relatei no comentário anterior.
Eu já conhecia este vídeo da postagem anterior sobre o Neil Gailman. Eu apenas penso que estando no lugar dele, ou seja, sendo o Neil Gailman, é muito fácil falar. Contanto, sabemos que quem não tem ainda um nome como não temos, é preciso ralar muito para divulgar e cada qual sabe qual a sua melhor maneira de divulgação. Como liberei Ironia do Destino, soube desde o início que não teria um futuro promissor, mas que com certeza ajudaria na divulgação e acredito que por esta razão também você disponibiliza gratuitamente Lagoena.
Espero que não tenha sido mal interpretado, em momento algum quis criticar sua forma de divulgação. Como criticaria o que eu mesmo faço?
Foi apenas uma observação sobre a opção que tomei e achei que deveria me pronunciar. Espero que tenha esclarecido.

Laísa Couto disse...

Citei Lagoena pq achei que se encaixava perfeitamente no argumento do seu primeiro comentário. De modo algum achei-o depreciativo, apenas coerente...

Se o BookSérie reagiu com vc dessa forma, o melhor a fazer foi recuar, comigo ainda não me derespeitaram, ao contrário, até são muito atenciosos. Espero que se eles almejam mesmo crescer no mundo virtual, mudem certo típos dogmas dentro do site...

Fabio Baptista disse...

Olá Laísa. Entrei aqui para convida-la a conhecer meu blog e acabei me envolvendo bastante no assunto discutido. Muito bom o post e o relato da sua experiência e a do Chris.

Também estou meio que enfrentando esses dilemas.

Enfim... se possível visite meu blog e se gostar, cadastre-se como leitora. Retribuirei para trocarmos comentários.
http://reflexoesdo719r.blogspot.com


Abraço.

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