Olá, pessoal,
Voltei com uma história! Um conto que escrevi nos primeiros dia de 2010. Por eu sempre ter achado ele um pouco particular, por ter escrito em primeira pessoa e ter sido eu mesma a personagem resistir publicá-lo, mas por ventura do destino ele acabou sendo publicado pelo blog Escolhendo Livros, onde eu colaboro com pequenas histórias. Bom, espero que gostem do texto, escrevi sem compromisso de torná-lo público.
Naquele
momento eu estava especialmente ansiosa. Nunca havia imaginado que
finalmente nos encontraríamos. Como eu ainda o esperava, examinei a sala
com curiosa cautela, era redonda, isso eu já sabia, com todos os
objetos descritos em seus perfeitos lugares, como eu poderia esperar
algo diferente? Dei alguns passos em direção a uma janela próxima, a
noite era negra em contraste com os inúmeros pontinhos brilhantes que
cintilavam distantes. Mirei a vastidão do horizonte se perdendo sob a
escuridão, os vales estreitos daquele aglomerado de colinas pareciam
ondas tranquilas perdidas no mar.
Meus pensamentos fugiram por um
instante, e num estalo voltei a minha realidade, será que ele estava
atrasado? Já tinha um certo tempo que eu
o esperava e nada... somente o sopro do vento gélido invadia aquela sala
circular. Me aproximei da lareira que ainda crepitava algumas fagulhas quentes.
Esfreguei minhas mãos para espantar o frio e dei outra olhadela pela sala... e
nada... Eu ainda continuava sozinha, admirei por um instante sua enorme mesa em
forma de meia-lua abarrotada por pergaminhos,
restos de tocos de velas derretidas num castiçal e uma coleção de penas
para escrever, eu bem sabia que ele não era muito organizado, vendo o exemplo de
pilhas e pilhas de livros amontoadas pela sala, não consegui conter uma risada
interna.
Para me distrair um pouco, alcancei uma
pilha próxima e comecei a estudar um conteúdo , abri um volume encapado de
couro cru e surrado, quando uma voz falou:
“Desculpe-me a demora.”
Meu coração deu um salto e acabei
derrubando o livro no chão. Com rapidez peguei o livro e o devolvi a pilha,
preocupada em não fazer uma avalanche de livros. Escutei uma risadinha à minhas
costas, virei-me vagarosamente, contendo minha imensa curiosidade sob a
ansiedade. E lá estava ele, sentando sob uma poltrona de veludo cor de vinho
diante a lareira, que agora crepitava mais viva
que nunca, presumi que ele tinha aproveitado de sua arte para tal feito
e dirigi-me silenciosa para outra poltrona a sua frente, a qual indicara para
eu sentar. Depois disso, o silêncio se prolongou ainda mais e eu me recusava a
quebrá-lo, mirando meus dedos que eu estalava nervosamente.
- Presumo que tenha esperado muito tempo
para este encontro. E julgo que não jogará esse momento fora, não é mesmo? -
Sua voz era mansa, mas tinha um certo tom de divertimento.Eu tomei fôlego e disse:
- Ok, o senhor acha que estou com medo,
não acha?” - respondi com outra pergunta, encarando-o dessa vez. Seu cabelo
ralo e desgrenhado não escondia as sardas que idade adquirira sobre o couro
cabeludo, os fios finos e alvos caiam sem disciplina para os lados, sem
demonstração de que foram penteados. Sob os olhos pequenos e negros, as
pálpebras caíam pesadamente enrugadas atribuindo-lhe um olhar cansado e sério,
no entanto com uma profunda e misteriosa brandura. Vestia uma capa com capuz de
linho grosso cor verde-mugo, que escondia as vestes marrom internas sobreposta
por um colete dourado. Sob o colo, descansava um chapéu em
forma de cubo na cor lilás, suas abas eram muito largas, o suficiente para
proteger os ombros e estava extremante amassado, como se o dono tivesse sentado
várias vezes em cima por engano. Meu olhar procurou por mais um acessório, que
eu sabia ser o objeto inseparável daquele que estava sentado a minha frente e
logo o encontrei encostado no espaldar da poltrona – o cajado, um instrumento
aparentemente tosco, feito de raízes retorcidas prendendo uma pequena esfera na
cor esmeralda na ponta superior.
-
Não, nunca achei que tivesse medo
- respondeu ele sem hesitar e retribuindo o olhar penetrante. “ Também estive a sua espera, achei que nunca
a conheceria pessoalmente. No entanto, o
grande dia chegou e cá estamos, o criador e a criatura. - Eu senti meu sangue
correr para as maças do meu rosto ao escutar as duas últimas palavras. - Sinto que veio a procura de respostas a
muitas indagações pertinentes que o tempo não foi capaz de pontuar... Revelo a
você, que minha mente anda ultimamente tão nublada quanto a sua, menina. Até
parece que não conhece o velho Zagut...
- Zucchius Zagut Nicolai Vitruvius
Furnerius – recitei, lembrando-me do dia que procurei esses nomes num livro
velho de astronomia. Zagut deu um grande sorriso. “Ah..senhor...”
- Zagut, simplemente Zagut - interrompeu
e corrigiu, sem parecer irritado.
Eu apenhei um caderninho dentro do bolso
da minha jaqueta jeans e uma caneta, antes de começar de novo, Zagut ficou
muito interessado no objeto cilíndrico e com demasiado interesse perguntou o
que era.
- É uma caneta esferográfica -
respondi rabiscando numa das folhas do caderninho.
- Oooh! - exclamou ele surpreso ao
ver a tinta preta saindo do fino tubo.
-É com essa espécie de mágica que vocês do outro mundo usam para
escrever sobre o pergaminho? Muito interessante!
- Ah, não Zagut, não é mágica. A
tinta...a tinta fica dentro desse finíssimo cilindro aqui dentro, olhe... -
Então, eu mostrei a caneta a ele, que a examinou com cuidado, forçando a vista
e se aproximando mais do fogo.
- ESFEROGRÁFICA... Nome incomum esse, vou acrescentar ao
meu dicionário!” - disse ele contente, satisfeito com a recém descoberta
palavra e devolvendo a caneta a mim.
- Acertou quando disse que eu vim atrás de respostas, Zagut – confessei,
pois eu como ninguém sabia que o mago tinha o dom de captar e antecipar um
assunto antes mesmo que lhe contassem. - Sei que me conhece melhor que eu o
conheço, sei que conhece minha estória, os personagens vividos em minha mente,
e toda aventura inacabada.... Vim até aqui para desvendar o grande mistério,
sei que o senhor conhece o caminho, eu penso...eu tento...mas parece que tudo
escapa a minha memória, que quanto mais eu busco sobre essa verdade irreal,
mais me sinto tudo escorrer pelas minhas mãos... Eu procuro ver além de sua
mente, e não consigo ver mais nada... - eu disse, com uma pontada de frustração
e uma enorme vontade de chorar.
- Já pensou, minha cara, que talvez não haja segredo algum para desvendar? - disse o mago com delicadeza. - O mistério tem vida própria, só ele decide quando deseja se revelar. Não, não é verdade quando diz que não me conhece, me conhece tão totalmente ou melhor do que eu poderia julgar, afinal, sou apenas criatura, sou o reflexo dos resquícios da sua boa alma, menina. Conheço-a...conheço-a o suficiente, mas não completamente, o que eu conheço já basta para saber que tem vontade e coragem para seguir, só basta ter a consciência de que não estará sozinha, pois tem a mim e muitos outros amigos, imaginários, no entanto amigos de verdade. - Eu anotava rapidamente no caderninho algumas de suas sábias palavras para não esquecer. - Nos momentos de angústia, não precisará vir de tão longe para me consultar, sou somente um velho mago, cheio ainda de muitas tarefas a cumprir, você sabe disso, me incumbiu de realizar importantes feitos e sabe que não posso falhar... por isso preciso de você em paz. As notas melodiosas do seu coração precisam continuar cantando para que Lagoena viva, entenda, agora não é mais pela dor, mas pelo amor....pelo amor de viver, necessitamos que viva para vivermos também...
Eu funguei, mas não consegui evitar que uma
lágrima teimosa caísse, levando outras tantas consigo.
- Não sei se posso...se con-consigo –
disse eu, entre os soluços. - Pa-parece tudo gran-grande demais e que eu nunca
vou alcançar! - disse revoltada comigo mesma.
- Ah, não, não chore, menina! - disse
Zagut oferecendo-me um lenço. - As suas lágrimas são tesouros preciosos e não
deve desperdiçá-las dessa maneira. Lembra-se do que eu disse no começo? Nunca
achei que tivesse medo – repetiu o mago. - E continuo a ter essa certeza, sei que
não tem medo do inusitado, do surreal,
mas sinto que uma pontinha de receio ainda a assombra. Eu queria muito que meus
conhecimentos mágicos pudessem afugentar esse sentimento, mas fazer isso só
pioraria as coisas, não quero lhe trazer uma falsa alegria... Não fui criado
pela sua imaginação para isso, você bem o sabe, minha cara, bem o sabe...”
Eu enxuguei meu rosto e percebi o
sorriso afável de Zagut, aquilo me aquecera de forma misteriosa, eu sorri de
volta, sem força, mas sorri. Lembrei de quando duas pequenas crianças
encontraram o mago pela primeira vez, elas morreram de medo...Zagut conseguia
isso quando queria, porém eu sabia que a maldade não fazia parte da
personalidade dele... De repente, como se uma bola de neve tivesse caído sobre
minha cabeça e me despertado, dei um salto, guardando o caderninho no bolso da
jaqueta jeans.
- Ah, já está tarde! Preciso ir,
Zagut!
- Ora, você não pode sair por aí agora!
- repreendeu Zagut levantando-se com auxílio do cajado. - A mata d'Os Vales
Adormecidos é perigosa pelo dia e ainda mais pela noite! Não a deixarei padecer
adormecida entre as árvores sinistras desta velha floresta que nos rodeia, até
parece que você esqueceu desta perigosa floresta que sua imaginação fértil
criou! - terminou ele, rindo nervosamente.
Eu dei um sorriso amarelo.
- O que devo fazer, então? - perguntei.
- Pode passar a noite aqui, amanhã
tomarei providências seguras para que amanheça em casa. - Ele foi até um
armário, que até então eu não tinha notado, pois estava escondido atrás de
livros que se equilibravam frágil um sobre o outro e trouxe-me uma coberta, já um tanto gasta e
mal cheirosa pelo desuso, mesmo assim eu agradeci, pois o frio estava de
congelar. - Me desculpe, mas terá que passar a noite aqui na minha sala, ou
então os duendes fariam um alarde pelas Três Torres sobre sua presença, seria
desagradável.”
- Eu entendo, Zagut. Não tem problema –
eu disse, abrindo o cobertor e atirando-me na poltrona mais próxima da lareira.
- Eu não irei embora. Tenho coisas a fazer,
muito trabalho – e mirou a mesa cheia de pergaminhos. - Qualquer coisa é só me
chamar. Tenha uma boa noite, querida. - despediu-se o mago.
- Obrigada. Para você também, Zagut.”
Eu adormeci em instantes, um fato
inusitado para quem tinha noites insones, ou dormia na companhia de sonhos
desagradáveis. Eu esperei nunca ter que acordar, pois o sono estava
satisfatoriamente bom e ele não merecia ter fim. Mergulhei pelos mundos mais
distantes, empurrada por um fluxo constante de um torpor, senti-me desvanecer
dentro de um vácuo, como seu meu corpo sólido se tornasse tão fluído ao ponto
de se desmanchar, era uma sensação estranha essa, a alma ganhando liberdade por
uma noite.
Foi um momento estranhamente breve e
longo, a urgência pedia passagem e a paciência a sufocava, senti o desespero me
abater, não conseguia encontrar o caminho de volta. Procurei uma saída na
inexistência, o tempo estava acabando e se eu não conseguisse encontrar o
caminho certo ficaria perdida ali para sempre – entre os sonhos. Então, num
repente, um vácuo abriu sobre meus pés e eu fui sugada por ele – sem ar, sem
vida, apenas escuridão, e um grito – o meu.
Acordei ofegante, a cabeça rodopiava e
quando finalmente parou, percebi que estava no meu quarto, na primeira manhã do
ano, eu sabia disso porque continuava a chover lá fora. De súbito, toda uma alegria
misteriosa sumiu, deixando um vazio estranho. Meu olhar arrastou-se pelos
móveis, nada surpreso pela imagem familiar e comum da rotina, então meu olhar
estacou sobre o criado-mudo junto a minha cama. Havia uns livros que eu estava
lendo pela segunda vez, uma caixinha de madeira, folhas de papel e um
caderninho, prontamente o abri, esperando sei lá o que, talvez os números da
mega-sena, no entanto vi algumas palavras escritas aleatoriamente como “O
mistério tem vida própria”, “As notas melodiosas do seu coração”, “Vontade e
coragem”, “Agora não é mais pela dor”...Eu me perguntei quando eu havia anotado
aquelas coisas, então me lembrei de uma coisa, tomando-me de total excitação –
havia esquecido minha caneta em Lagoena!
Fim.
0 Outras confissões...:
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