18 de setembro de 2013

Um encontro com a imaginação.


    
    Olá, pessoal,

    Voltei com uma história! Um conto que escrevi nos primeiros dia de 2010. Por eu sempre ter achado ele um pouco particular, por ter escrito em primeira pessoa e ter sido eu mesma a personagem resistir publicá-lo, mas por ventura do destino ele acabou sendo publicado pelo blog Escolhendo Livros, onde eu colaboro com pequenas histórias. Bom, espero que gostem do texto, escrevi sem compromisso de torná-lo público.


     Naquele momento eu estava especialmente ansiosa. Nunca havia imaginado que finalmente nos encontraríamos. Como eu ainda o esperava, examinei a sala com curiosa cautela, era redonda, isso eu já sabia, com todos os objetos descritos em seus perfeitos lugares, como eu poderia esperar algo diferente? Dei alguns passos em direção a uma janela próxima,  a noite era negra em contraste com os inúmeros pontinhos brilhantes que cintilavam distantes. Mirei a vastidão do horizonte se perdendo sob a escuridão, os vales estreitos daquele aglomerado de colinas pareciam ondas tranquilas perdidas no mar.

       Meus pensamentos fugiram por um instante, e num estalo voltei a minha realidade, será que ele estava atrasado?  Já tinha um certo tempo que eu o esperava e nada... somente o sopro do vento gélido invadia aquela sala circular. Me aproximei da lareira que ainda crepitava algumas fagulhas quentes. Esfreguei minhas mãos para espantar o frio e dei outra olhadela pela sala... e nada... Eu ainda continuava sozinha, admirei por um instante sua enorme mesa em forma de meia-lua abarrotada por pergaminhos,  restos de tocos de velas derretidas num castiçal e uma coleção de penas para escrever, eu bem sabia que ele não era muito organizado, vendo o exemplo de pilhas e pilhas de livros amontoadas pela sala, não consegui conter uma risada interna.
     Para me distrair um pouco, alcancei uma pilha próxima e comecei a estudar um conteúdo , abri um volume encapado de couro cru e surrado, quando uma voz falou:
      “Desculpe-me a demora.”

       Meu coração deu um salto e acabei derrubando o livro no chão. Com rapidez peguei o livro e o devolvi a pilha, preocupada em não fazer uma avalanche de livros. Escutei uma risadinha à minhas costas, virei-me vagarosamente, contendo minha imensa curiosidade sob a ansiedade. E lá estava ele, sentando sob uma poltrona de veludo cor de vinho diante a lareira, que agora crepitava mais viva  que nunca, presumi que ele tinha aproveitado de sua arte para tal feito e dirigi-me silenciosa para outra poltrona a sua frente, a qual indicara para eu sentar. Depois disso, o silêncio se prolongou ainda mais e eu me recusava a quebrá-lo, mirando meus dedos que eu estalava nervosamente.
       - Presumo que tenha esperado muito tempo para este encontro. E julgo que não jogará esse momento fora, não é mesmo? - Sua voz era mansa, mas tinha um certo tom de divertimento.Eu tomei fôlego e disse:

       - Ok, o senhor acha que estou com medo, não acha?” - respondi com outra pergunta, encarando-o dessa vez. Seu cabelo ralo e desgrenhado não escondia as sardas que idade adquirira sobre o couro cabeludo, os fios finos e alvos caiam sem disciplina para os lados, sem demonstração de que foram penteados. Sob os olhos pequenos e negros, as pálpebras caíam pesadamente enrugadas atribuindo-lhe um olhar cansado e sério, no entanto com uma profunda e misteriosa brandura. Vestia uma capa com capuz de linho grosso cor verde-mugo, que escondia as vestes marrom internas sobreposta por um colete dourado. Sob o colo, descansava um chapéu em forma de cubo na cor lilás, suas abas eram muito largas, o suficiente para proteger os ombros e estava extremante amassado, como se o dono tivesse sentado várias vezes em cima por engano. Meu olhar procurou por mais um acessório, que eu sabia ser o objeto inseparável daquele que estava sentado a minha frente e logo o encontrei encostado no espaldar da poltrona – o cajado, um instrumento aparentemente tosco, feito de raízes retorcidas prendendo uma pequena esfera na cor esmeralda na ponta superior.
     -  Não, nunca achei que tivesse medo  - respondeu ele sem hesitar e retribuindo o olhar penetrante.  “ Também estive a sua espera, achei que nunca a conheceria pessoalmente.  No entanto, o grande dia chegou e cá estamos, o criador e a criatura. - Eu senti meu sangue correr para as maças do meu rosto ao escutar as duas últimas palavras.  - Sinto que veio a procura de respostas a muitas indagações pertinentes que o tempo não foi capaz de pontuar... Revelo a você, que minha mente anda ultimamente tão nublada quanto a sua, menina. Até parece que não conhece o velho Zagut...
       - Zucchius Zagut Nicolai Vitruvius Furnerius – recitei, lembrando-me do dia que procurei esses nomes num livro velho de astronomia. Zagut deu um grande sorriso. “Ah..senhor...”

         - Zagut, simplemente Zagut  - interrompeu  e corrigiu, sem parecer irritado.
      Eu apenhei um caderninho dentro do bolso da minha jaqueta jeans e uma caneta, antes de começar de novo, Zagut ficou muito interessado no objeto cilíndrico e com demasiado interesse perguntou o que era.
        - É uma caneta esferográfica - respondi rabiscando numa das folhas do caderninho.

        - Oooh! - exclamou ele surpreso ao ver a tinta preta saindo do fino tubo.  -É com essa espécie de mágica que vocês do outro mundo usam para escrever sobre o pergaminho? Muito interessante!

         - Ah, não Zagut, não é mágica. A tinta...a tinta fica dentro desse finíssimo cilindro aqui dentro, olhe... - Então, eu mostrei a caneta a ele, que a examinou com cuidado, forçando a vista e se aproximando mais do fogo.

     - ESFEROGRÁFICA... Nome incomum esse, vou acrescentar ao meu dicionário!” - disse ele contente, satisfeito com a recém descoberta palavra e devolvendo a caneta a mim.
      - Acertou quando disse que eu vim atrás de respostas, Zagut – confessei, pois eu como ninguém sabia que o mago tinha o dom de captar e antecipar um assunto antes mesmo que lhe contassem. - Sei que me conhece melhor que eu o conheço, sei que conhece minha estória, os personagens vividos em minha mente, e toda aventura inacabada.... Vim até aqui para desvendar o grande mistério, sei que o senhor conhece o caminho, eu penso...eu tento...mas parece que tudo escapa a minha memória, que quanto mais eu busco sobre essa verdade irreal, mais me sinto tudo escorrer pelas minhas mãos... Eu procuro ver além de sua mente, e não consigo ver mais nada... - eu disse, com uma pontada de frustração e uma enorme vontade de chorar.

      - Já pensou, minha cara, que talvez não haja segredo algum para desvendar? - disse o mago com delicadeza. - O mistério tem vida própria, só ele decide quando deseja se revelar. Não, não é verdade quando diz que não me conhece, me conhece tão totalmente ou melhor do que eu poderia julgar, afinal, sou apenas criatura, sou o reflexo dos resquícios da sua boa alma, menina. Conheço-a...conheço-a o suficiente, mas não completamente, o que eu conheço já basta para saber que tem vontade e coragem para seguir, só basta ter a consciência de que não estará sozinha, pois tem a mim e muitos outros amigos, imaginários,  no entanto amigos de verdade. - Eu anotava rapidamente no caderninho algumas de suas sábias palavras para não esquecer. - Nos momentos de angústia, não precisará vir de tão longe para me consultar, sou somente um velho mago, cheio ainda de muitas tarefas a cumprir, você sabe disso, me incumbiu de realizar importantes feitos e sabe que não posso falhar... por isso preciso de você em paz. As notas melodiosas do seu coração precisam continuar cantando para que Lagoena viva, entenda, agora não é mais pela dor, mas pelo amor....pelo amor de viver, necessitamos que viva para vivermos também...
 
    Eu funguei, mas não consegui evitar que uma lágrima teimosa caísse, levando outras tantas consigo.

     - Não sei se posso...se con-consigo – disse eu, entre os soluços. - Pa-parece tudo gran-grande demais e que eu nunca vou alcançar! - disse revoltada comigo mesma.

     - Ah, não, não chore, menina! - disse Zagut oferecendo-me um lenço. - As suas lágrimas são tesouros preciosos e não deve desperdiçá-las dessa maneira. Lembra-se do que eu disse no começo? Nunca achei que tivesse medo – repetiu o mago. - E continuo a ter essa certeza, sei que não tem medo  do inusitado, do surreal, mas sinto que uma pontinha de receio ainda a assombra. Eu queria muito que meus conhecimentos mágicos pudessem afugentar esse sentimento, mas fazer isso só pioraria as coisas, não quero lhe trazer uma falsa alegria... Não fui criado pela sua imaginação para isso, você bem o sabe, minha cara, bem o sabe...”

     Eu enxuguei meu rosto e percebi o sorriso afável de Zagut, aquilo me aquecera de forma misteriosa, eu sorri de volta, sem força, mas sorri. Lembrei de quando duas pequenas crianças encontraram o mago pela primeira vez, elas morreram de medo...Zagut conseguia isso quando queria, porém eu sabia que a maldade não fazia parte da personalidade dele... De repente, como se uma bola de neve tivesse caído sobre minha cabeça e me despertado, dei um salto, guardando o caderninho no bolso da jaqueta jeans.

      - Ah, já está tarde! Preciso ir, Zagut!

      - Ora, você não pode sair por aí agora! - repreendeu Zagut levantando-se com auxílio do cajado. - A mata d'Os Vales Adormecidos é perigosa pelo dia e ainda mais pela noite! Não a deixarei padecer adormecida entre as árvores sinistras desta velha floresta que nos rodeia, até parece que você esqueceu desta perigosa floresta que sua imaginação fértil criou! - terminou ele, rindo nervosamente.

       Eu dei um sorriso amarelo.

       - O que devo fazer, então? - perguntei.

      - Pode passar a noite aqui, amanhã tomarei providências seguras para que amanheça em casa. - Ele foi até um armário, que até então eu não tinha notado, pois estava escondido atrás de livros que se equilibravam frágil um sobre o outro  e trouxe-me uma coberta, já um tanto gasta e mal cheirosa pelo desuso, mesmo assim eu agradeci, pois o frio estava de congelar. - Me desculpe, mas terá que passar a noite aqui na minha sala, ou então os duendes fariam um alarde pelas Três Torres sobre sua presença, seria desagradável.”

      - Eu entendo, Zagut. Não tem problema – eu disse, abrindo o cobertor e atirando-me na poltrona mais próxima da lareira.

     - Eu não irei embora. Tenho coisas a fazer, muito trabalho – e mirou a mesa cheia de pergaminhos. - Qualquer coisa é só me chamar. Tenha uma boa noite, querida. - despediu-se o mago.

       - Obrigada. Para você também, Zagut.”

    Eu adormeci em instantes, um fato inusitado para quem tinha noites insones, ou dormia na companhia de sonhos desagradáveis. Eu esperei nunca ter que acordar, pois o sono estava satisfatoriamente bom e ele não merecia ter fim. Mergulhei pelos mundos mais distantes, empurrada por um fluxo constante de um torpor, senti-me desvanecer dentro de um vácuo, como seu meu corpo sólido se tornasse tão fluído ao ponto de se desmanchar, era uma sensação estranha essa, a alma ganhando liberdade por uma noite.

    Foi um momento estranhamente breve e longo, a urgência pedia passagem e a paciência a sufocava, senti o desespero me abater, não conseguia encontrar o caminho de volta. Procurei uma saída na inexistência, o tempo estava acabando e se eu não conseguisse encontrar o caminho certo ficaria perdida ali para sempre – entre os sonhos. Então, num repente, um vácuo abriu sobre meus pés e eu fui sugada por ele – sem ar, sem vida, apenas escuridão, e um grito – o meu.

    Acordei ofegante, a cabeça rodopiava e quando finalmente parou, percebi que estava no meu quarto, na primeira manhã do ano, eu sabia disso porque continuava a chover lá fora. De súbito, toda uma alegria misteriosa sumiu, deixando um vazio estranho. Meu olhar arrastou-se pelos móveis, nada surpreso pela imagem familiar e comum da rotina, então meu olhar estacou sobre o criado-mudo junto a minha cama. Havia uns livros que eu estava lendo pela segunda vez, uma caixinha de madeira, folhas de papel e um caderninho, prontamente o abri, esperando sei lá o que, talvez os números da mega-sena, no entanto vi algumas palavras escritas aleatoriamente como “O mistério tem vida própria”, “As notas melodiosas do seu coração”, “Vontade e coragem”, “Agora não é mais pela dor”...Eu me perguntei quando eu havia anotado aquelas coisas, então me lembrei de uma coisa, tomando-me de total excitação – havia esquecido minha caneta em Lagoena!

Fim.


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